31 dezembro 2006

Último post-2006 com Bertolt Brecht


DE QUE SERVE A BONDADE

1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?
De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?

2
Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor: que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.

Bertolt Brecht

Energia eléctrica desenrascada

De acordo com o director de distribuição da Electricidade de Moçambique, vinte por cento da energia eléctrica consumida na cidade de Maputo é roubada, provocando um prejuízo mensal superior a 400 mil dólares.
O director afirmou que o roubo tem lugar em quase todos os bairros suburbanos da capital, com extensão de fios térreos normalmente nas traseiras das casas.

Vistas as coisas de um ângulo possivelmente sociológico, aos fracos apenas resta jogar a sua táctica num campo que não é seu: o dos outros. Para eles não se trata, por hipótese, de roubar, mas de desenrascar. É a arte do fraco, nas palavras de Michel de Certeau, dos golpes que se desfecham pela surpresa na ordem dos outros.

30 dezembro 2006

Amplia-se crítica à penhora de bens do grupo SOICO


Os Presidentes da Liga dos Direitos Humanos, do MISA e da Associação Comercial da cidade de Maputo, respectivamente Alice Mabota, Tomás Vieira Mário (fotos acima) e Adriano Buque; o jornalista e presidente do Conselho de Administração da Mediacoop, Fernando Lima; vendedores da Malanga; e representantes dos partidos PDD, Renamo e Ecologista, respectivamente Raúl Domingos, Fernando Mazanga e João Massango, juntam-se aos que criticam a decisão judicial de arrasto de bens do Grupo SOICO, proprietário da estação televisiva STV.
Leia os últimos desenvolvimentos aqui.
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Adenda: leia o excelente trabalho com o título "Quem quer silenciar a STV?", publicado no "Domingo" de hoje (31/12/06), p. 2.

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mude
me seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

(Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997)

Parecemos um país em guerra

Multiplicaram-se e multiplicam-se os apelos policiais ao civismo neste fim-de-ano. A polícia está visível nas ruas.
E agora um comunicado do obscuro partido Aliança Independente de Moçambique, transcrito pelo "Notícias", apela também ao civismo.
Parecemos um país em guerra, gente de milando, terra de milandeiros.
Que tristeza a minha como cidadão por tanta desconfiança, que alegria a minha como sociólogo desejoso de estudar tanta desconfiança à Big Brother!

Ainda sobre a penhora de bens do grupo SOICO


Para mais pormenores sobre a penhora de bens do Grupo SOICO, ao qual pertence a estação televisiva STV, leia aqui. Leia também o "Notícias" aqui.

29 dezembro 2006

"Querem silenciar-nos!" - locutora da STV há momentos

"Querem silenciar-nos!" - assim afirmou, há momentos, de forma dramática, a locutora de serviço da estação televisiva STV, nos estúdios situados no 10º de um prédio na Avª Eduardo Mondlane, cidade de Maputo, quando iniciava o telejornal das 20 horas. Contou que muitos bens dos estúdios da STV (computadores, por exemplo) foram levados sob penhora, por ordem de um juiz.
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Uma equipa do Grupo SOICO, proprietário da STV, está neste momento (22:14) no ar, falando com os tele-espectadores. Está presente a conhecida e famosa apresentadora, Anabela Adrianoupolos. Entre outras preocupações expostas, está o problema de terem sido levados os discos duros dos computadores, contendo muita informação, parte dela confidencial, segundo Jeremias Langa. A STV afixa o número de telefone 820790490 para quem se quiser solidarizar.

Mãos dadas para 2007


Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

(Carlos Drummond de Andrade)

Renamo: vândala ou não?


O recente comportamento da Renamo na Assembleia da República levou muitos jornalistas e cidadãos a qualificarem-na, uma vez mais, de vândala. Mas essa não é a opinião de João Belmiro, escrevendo no "Canal de Moçambique".
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Os sociólogos ainda não criaram um campo de estudos da vasta panóplia de desqualificadores sociais que o país possui, no caso vertente de desqualificadores políticos.

28 dezembro 2006

Yá-Qub Sibindy: o Fausto do país


Tal como Fausto, desiludido com a ciência, fez um pacto com Mefistófeles, YÁ-Qub Sibindy, presidente do PIMO, da "Oposição Construtiva" e da mediaticamente pomposa Fundação Moçambique contra a Pobreza, desiludiu-se com a oposição e fez um pacto com a Frelimo, o partido que governa o país.
O "Notícias" de hoje (28/12/06) dedica ao trânsfuga da oposição quase toda a página nove, a nove proteicas colunas. Et pour cause.
Leia-se do Sr. Sibindy (um dos mais cotados trajantes de turbantes e de capulanas do país) o glorioso e profundo "plano estratégico" (especialmente isso) no fim de uma entrevista aqui.
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Fotos: Sibindy no "Notícias" e Fausto na "Wikipedia".

27 dezembro 2006

China vai colonizar África? E Moçambique?

Vários autores discutem o papel da China em África, entre os quais Anabela Lemos e Daniel Ribeiro no concernente a Moçambique. Leia, em língua inglesa, aqui.

Renovação interior

O meu colega e escritor Calane da Silva escreveu um manifesto de amor.
Vivemos cada vez mais agarrados às coisas, ao ego, à "mente egóica" - afirmou.
Precisamos, pelo contrário, viver o Ser (itálico do autor), o desapego, o "fluxo energético do Ser".
A "materialidade e a fortuna" não devem sufocar-nos. Podemos ser mais felizes se operarmos a "renovação interior".
O amor é a única e grande religião do mundo - assim termina a crónica de Calane (semanário "meianoite", 26/12/06, p. 4).

26 dezembro 2006

10 mandamentos venais na arte de confusionar o adversário

Seguem-se 10 mandamentos venais na arte de confusionar, de pôr o adversário em dificuldade. Eles foram construídos tendo em conta o espírito cáustico (mas apenas isso, pois as ideias e a estrutura são minhas) de Schopenhauer (recorde a entrada precedente).

(1) SIMULAÇÃO: você convenceu-se de que tudo sabe, de que é um papa do conhecimento e de que os outros estão penosamente no rés-do-chão da sua sabedoria. Mas você, naturalmente, quer mostrar que é humilde, que está no mesmo andar que o adversário. Eis como dirá ou escreverá: "Sabe, devo confessar que desconheço por completo o tema, que para ele, portanto, não tenho respostas. Porém, fazer perguntas é uma forma de chegarmos os dois ao conhecimento. Ora, como você sabe..." Etc.
(2) DIABOLIZAÇÃO: você lida com um adversário que não suporta. Se você é aqui do Sul e ele do Norte, evidentemente que o tem por chingondo; se ele é "branco", evidentemente que você dele faz um "moçambicano não originário" que ignora a cultura africana (ou se você é "branco", achará certamente que ele, "negro", até escreve bem); se ele é indiano, evidentemente que dele faz um ladrão; se é misto, dele fará um ser dúbio, sem pátria, porque, assim acredita você, ele não é nem café nem leite, nem azeite nem vinagre: os seres híbridos o incomodam; se você sabe bem a língua portuguesa mas quer mostrar que é nativo puro, usará termos da sua língua natal para mostrar a pureza original, ao mesmo tempo que fará uma veemente crítica da língua portuguesa colonizadora. Este mandamento tem um estreito laço com o o 8.º.
(3) PROFECIA: pode desnortear o adversário dando-lhe a entender que o conhece bem e que sabe mesmo qual será a sua resposta ao que você analisou ou disse. Então, dirá algo como: "Já sei o que você irá responder, conheço-o bem!".
(4) MISERICÓRDIA: uma forma de colocar o adversário em dificuldade, consiste em mostrar quanta pena ele nos inspira, coisa que, naturalmente, incomoda. "Sabe, o senhor mete-me pena, lamento que possa pensar como está a pensar, a sua competência poderia ser melhor dirigida, na vida precisamos de ser mais prudentes".
(5) AUTORIDADE: existem múltiplas formas de tornar mais sólido, mais divino o que se escreve ou se diz, com um potente lastro de autoridade canónica, por exemplo socorrendo-se de textos religiosos, de afirmações de conhecidas autoridades religiosas ou científicas. "Segundo o versículo.....", "de acordo com L..., em seu livro...." Este mandamento tem estreita ligação com o 9.º.
(6) IRONIA: uma maneira clássica de colocar o adversário em dificuldade consiste em não levar a sério seja o que for que ele diga e escreva, por mais sério que seja. "Sabe, o senhor faz-me rir com todo esse estendal de lugares-comuns!". Ou, então, pode dizer-lhe que aquilo que ele disse ou escreveu é incompreensível, hermético, falso, enfatuado. Em última análise, dir-lhe-a que ele ofende o povo. E lhe fará ver que você, você sim, você vem do Povo, da humildade rural, mesmo que hoje habite um mansão de luxo e tenha quatro 4/4.
(7) COMPLOT: quando o adversário é forte e se sente que as suas ideias são sólidas, uma boa forma de o colocar na defensiva consiste em mostrar que aquilo que ele defende é produto de uma força externa, que ele, adversário, mais não é do que um executor, uma marioneta de uma força absoluta. Isto funciona bem a nível de luta política, tem efeitos dissolventes terríveis.
(8) SUBSTANCIALISMO: um mecanismo eficaz de luta consiste em fazer da vida um conjunto de acções regidas por substâncias inaltáveis, organizadas especialmente pelo presente do indicativo. Ou de provérbios simples. "Sabe, nós os.....somos assim", "Oiça, meu Amigo, não há fogo sem fumo", "Pode crer, quem come uma coisa quer outra", "O comunismo da Frelimo é sempre o mesmo!", "A Renamo foi e é sempre a desordem!", etc.
(9) SANTIDADE: exibir o nosso brazão, os nossos títulos, os nossos atributos nobiliárquicos, profissionais, académicos, a nossa força iconal, tudo isso dá muitas vezes um resultado aparatoso, circense. Quanto mais estranhos e vertidos em língua estrangeira, melhor. Usar expressões latinas (mesmo se fora do contexto; aliás, quanto mais for do contexto melhor), recorrer a anglicismos ("A mulher será tema de um workshop"), tudo isso é vital na luta com o adversário.
(10) PROVOCAÇÃO: o décimo mandamento pode ser o aglutinado de todos os outros, uma espécie de síntese de todos os outros. Pode resumir-se à provocação deliberada do outro, a levá-lo a irritar-se, a sentir úlceras gástricas, a segregar anti-corpos, a sentir-se seriamente ofendido. Bastam apenas alguns motes: "Sabe, o senhor jamais mudará na sua estupidez de convencido!" E tudo pode terminar com uma frase de ouro, sacrossanta, de régulo, do género: "Tenho dito!"
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Pode acontecer que eu reveja este texto. É provisório. Certamente há coisas a corrigir, a melhorar, etc. Vocês ajudam-me?

25 dezembro 2006

Como vencer um adversário sem precisar ter razão

O título pode ser "A arte de ter sempre razão" (Portugal, editora Frenesi) ou pode ser "Como vencer um debate sem precisar ter razão" (Brasil, editora TopBooks).
Um pequeno texto de Arthur Schopenhauer, inacabado, escrito provavelmente em 1830, com 38 estratagemas de como praticar a malandrice intelectual e vencer um adversário. Não importa a verdade, mas a vitória, o prazer carnívoro, sofístico da vitória.
Do género: "Um modo prático de afastar ou de pelo menos colocar sob suspeita uma afirmação do adversário que nos é contrária é submetê-la a uma categoria odiada, ainda que a relação entre elas seja a de uma vaga semelhança ou de total incoerência."
E tantos outros géneros, garanto-vos! Vocês convenceram-se de que sois sábios mas quereis aparentar humildade? Digam que nada sabem, escrevam montes de coisas como se escrevessem para leigos. O adversário é rijo? Faça-no enfurecer e perder as estribeiras. Sentem que o adversário é intelectualmente bom? Digam-lhe que não compreenderam o que ele escreveu. O adversário mete medo? Escrevam algo incompreensível, alardeando uma profundidade esotérica, que ninguém vai compreender. E por aí fora.
Os 38 estratagemas de Schopenhauer podem dar muito resultado na praça (ou dar mais do que já dão), leiam, leiam o livrinho!
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Amanhã escrevo uma receita exemplar dessa arte, vereis. Aguardem por amanhã.

A corrupção vista por Marcelo Mosse

Há indícios de que a corrupção é um ícone crescentemente mal-amado por produtores influentes da palavra oficial e oficiosa. E por isso tenho para mim que vale a pena recordar um texto de 17 páginas escrito por Marcelo Mosse e tornado público há cerca de dois anos. Leia aqui.

Um bom objectivo

É difícil provar que a corrupção entrava o desenvolvimento. Autores há que defendem que corrupção e boa governação não são fundamentais para o desenvolvimento. A corrupção não é a causa do nosso subdesenvolvimento. Na luta por um Moçambique desenvolvido, "a honestidade seria importante, mas não o cavalo de batalha". Acresce que gente há que não sabe o que é corrupção, não identifica "classes e grupos" nela envolvidos e passa a vida a difamar as nossas instituições. E finalmente:
"Queremos com isso dizer que o combate à corrupção, para produzir os efeitos desejados, não deverá ser mais um caso mediático como tantos em Moçambique. Falar de gordos e de enriquecimento rápido não me parece ser o melhor caminho. Até porque ser rico rapidamente e gordo é um bom objectivo. Depois controla-se o peso através de umas voltinhas nos circuitos de manutenção."
Leia aqui o texto todo.

24 dezembro 2006

Era inofensivo o mosquito que Deus criou

Nas palavras de Diniz Sengulane, responsável da Igreja Anglicana em Moçambique, citado pelo "Canal de Moçambique", “o mosquito que Deus criou era inofensivo mas o homem deixou que houvessem charcos, e águas estagnadas dando origem a Malária” (sic) . A alocução foi feita quarta-feira na aldeia de Coca-Missava, província de Gaza, quando do lançamento oficial da «Iniciativa do Presidente dos Estados Unidos (George Bush) contra a Malária em Moçambique». Leia aqui.

Sem comentários.

23 dezembro 2006

As revelações de Cassandra

O ministro da Indústria e Energia, Sr. António Fernando, não só avaliou positivamente a campanha "Made in Mozambique" do seu ministério, como, também, fez a seguintes afirmações ao semanário "O País" (longe de mim acreditar que o jornalista Alfredo Júnior tenha recolhido mal essas afirmações). Ressaltei as partes mais fascinantes:

Nós fazemos uma avaliação positiva, porque olhando para trás vemos que a aderência das pessoas é muito grande. Hoje é comum ver jovens moçambicanos a preferirem música moçambicana; é comum ver crianças a preferirem comida moçambicana; é comum ver essas pessoas a preferirem aquilo que é nosso. Isto encoraja-nos, porque temos a consciência de que por esta via vamos permitir que haja mais compras de produtos nacionais e por consequência, haja mais produção e mais postos de emprego” - leia aqui.

Sem comentários.

22 dezembro 2006

Chupa-sangue

Sobre o tema em epígrafe, leia um pequeno texto de Valerito Pachinuapa, membro da Unidade de Diagnóstico Social, aqui.

Fungulamaso



Com o título em epígrafe, o "Savana" iniciou hoje (22/12/06) a publicação de uma crónica regular minha.

21 dezembro 2006

Transferência


De um blogue muito simples, muito confessional, extraí este texto que considero exemplar, cuja leitura vos recomendo e cuja estrutura mantive na íntegra:

"Vou ser prática...falando em senso comum....como me é característico...o fenômeno da transferência em que vivo - ou seja, das relações de dependência afetiva como as que ocorrem entre pais e filhos....... ou entre terapeuta e paciente.......ou entre professor e aluna - é humanamente universal. Todo indivíduo necessita transferir sua fome de afeto, de estabilidade emocional e psíquica para algo além e acima dele...aparentemente melhor que ele, seja este algo uma ideologia, um governante, um partido, uma família, uma instituição, um cônjuge, uma ciência, enfim, até mesmo um professor que significou muito, qualquer coisa que prometa sobreviver a mim mesma. E é assim que a gente quebra a cara: deposita sua mais profunda esperança, sua mais sincera devoção, a algo tão temporal - logo, mortal - tanto quanto nós mesmos.
Bom...essa vai pra ele....pro meu Transferente e professor:"

O destino dos ovos na luta contra a pobreza absoluta


Ontem, no decorrer da sessão da Assembleia da República, deputados da Renamo-União Eleitoral protestaram contra a aprovação das alterações feitas à legislação eleitoral. Uma das formas de manifestar o desagrado consistiu no arremesso de ovos para a bancada do partido no poder, a Frelimo. A fotografia pertence ao Notícias.
Entretanto, o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, terá pedido ao presidente da República (também presidente da Frelimo) que não aprove a lei eleitoral.
Temos assim uma lei eleitoral aprovada sem consenso. Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos, mas é desde já previsível que o conjunto das eleições, a começar no próximo ano, será claramente tumultuoso.
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Preocupação infra-sociológica: de onde terão vindos os ovos? De casa, de um lanche?

20 dezembro 2006

Direito alternativo: nasce blogue bi-nacional

Um novo blogue, bi-nacional, nasceu, com enfoque no direito alternativo, feito pela Yla e por mim. Veja aqui ou no link do lado direito.

19 dezembro 2006

Fenómeno novo: tiroteio "chinês" em Maputo


O interessante não é que, uma vez mais, tenha havido tiroteio na baixa de Maputo, a isso já nos tiroteioámos, o interessante é que o tiroteio tenha sido originado, segundo a lacónica notícia da versão online do "Notícias" de hoje, por uma rixa entre comerciantes chinesas desavindas em negócios de produtos vários. Porém, a versão impressa do diário é mais pormenorizada e afirma que uma das femininas partes desavindas chamou homens chineses que começaram "a distribuir tiros por todo o lado". Uma mulher chinesa morreu com estilhaços de vidro de uma montra ("Notícias" de hoje, 19/12/06, p. 19).
A foto, extraída do "Notícia", mostra a fachada principal do estabelecimento comercial no qual se registou a rixa, na Avenida Fernando Magalhães.

Palavras-pacemakers

Cada vez mais parece que certas palavras se encarregam de ter vida própria, como se fossem seres sobre-humanos, como se fossem gigantescas causas independentes de nós e de relações sociais concretas: pobreza absoluta, corrupção, burocratismo, sida, etc.
Por todo o lado, não importa o nível decisório e o emissor da palavra oficial, surgem esses seres espantosos sem rosto próprio, espíritos maus que importa expurgar simbolicamente não interessando saber exactamente o que são, quem são e por que são.
Transferimos para seres fantásticos, cómodos justamente por serem fantásticos, as consequências de certas práticas sociais cujos processos não interessa ter em conta. A pobreza absoluta, por exemplo, é um mal que podemos eliminar se "todos" nós assumirmos o combate contra ela. A crença politicamente interessada é a de que a pobreza absoluta nada tem a ver com o sistema social que a segrega em permanência, mas com a falta de trabalho e de apego.
É como se, esvaziado por completo o sentido social das coisas e das pessoas que fazem coisas em relações a propósito de coisas que uns têm e outros não, transformássemos essas palavras em eléctrodos politicamente úteis. Melhor, em pacemakers que reequilibram politicamente o ritmo cardíaco da nossa vida social com pequenos choques eléctricos simbólicos, convenientes, verbais, encantadores, silenciosos e anestesiantes.

18 dezembro 2006

Leia sobre Moçambique em língua inglesa

Leia sobre Moçambique em língua inglesa através de três despachos de Joseph Hanlon, jornalista e professor universitário britânico, escrevendo com base na nossa imprensa escrita, aqui, aqui e também aqui.

Desportivo-me!

O Desportivo de Maputo ganhou o campeonato nacional e a Taça de Moçambique em futebol. Uma bela equipa, um excelente Dominguez, um notável trabalho do treinador Uzaras Mahomed. Desportivo-me!
Naturalmente que o Sr. Semedo, treinador do Ferroviário de Maputo, achou que o Desportivo apenas ganhou nos bastidores. Mas eu des-semedoizo-me de semelhante e incurável dor de cotovelo.
Apenas espero que no próximo ano, a minha equipa, o Chingale de Tete, faça melhor, para eu me chingalezar.

Molequismo político


Leia aqui.

16 dezembro 2006

País da marrabenta


Ontem ouvi um dos cds do Sr. Mc Roger (num dos trabalhos desse cd o cantor diz a uma jovem que ele é especial e que entrará com ela no cinema pelo lado VIP), que desliza pelas ruas da cidade em seu carrão de luxo e faz questão de cantar um rap amorfo, "neo-liberal", laudatório, bajulatório ("Patrão!", recordai-vos), feito Michael Jackson de paróquia.
Hoje, curei por completo as minhas úlceras gástricas afectivas motivadas por esse rap, ouvindo o hip hop do Gpro Fam.
Proponho-vos, aos que ainda não ouviram, a escuta do "País da marrabenta".
Um notável documento sociológico que mostra a pobreza multilateral entre os carros de luxo deste país.
Nós, estudantes do social, temos de dedicar mais tempo ao estudo das letras das nossas canções.

N.B. Sabem, tenho saudades das canções de Jeremias Ngwenha, de letras do género "wodja pawa ra nwana (estão a comer o pão da criança). Constou-me que ele abandonou a canção e é agora pregador algures. Alguém me sabe dizer algo a propósito?

15 dezembro 2006

Xtaka Zero: uma extraordinária banda de intervenção social


Acabei de ouvir o último trabalho da banda Xtaka Zero.
Uma banda de excepcional valor, produto de imenso e visível trabalho, um ritmo belo e mestiço, forte e doce, filho do rap, da marrabenta e creio que também da música popular sul-africana(sinta-se a beleza de "Tsundzekela", do arranjo no clássico "Vou morrer assim" e de "Timaka ta chapa"); letras de uma aguda e atenta intervenção social.
Todo o país urbano, com a complexidade dos seus problemas sociais, da pobreza à corrupção a todos os níveis, é passado a pente fino. Oiça-se, em particular, "Skit..Oh...só Ministro", "Greve geral", "txunabeibes", "Topoliça", "Skit...Chapa 100" (absolutamente notável) e "Timaka ta chapa" (um ritmo vigoroso, que se sente bem na alma).
De facto, a vida está "Underground", para usar o título de um dos 19 excelentes trabalhos do Xtaka Zero.

Enfim, um exemplar trabalho...sociológico.

Visitar Maputo em Maputo

Há notícias surpreendentes: por exemplo, o "Notícias" de quarta-feira anunciou em primeira página que o procurador-geral da República iniciava nesse dia uma visita de três dias à Procuradoria da cidade de Maputo (edição de 13/12/06).

País mozalar

O país continua largamente dependente dos megaprojectos de capital estrangeiro, com o alumínio da Mozal bem à cabeça. Inexiste o capital moçambicano de investimento industrial sólido. Em 2005, a agricultura representou apenas "cerca" de 2% nos negócios das 100 maiores empresas do país (suplemento Economia & Negócios do "Notícias" de hoje, última página).
Somos um país exemplar, mozalar, estamos atrelados ao sector de serviços e vivemos felizes com o nosso capitalismo endógeno dumba-nengueiro.

Nada a fazer

"Nasce-se e morre-se. Enriquece-se e empobrece-se. Vida é isto." - eis a decisão irremediável do cronista Paulo António no seu texto "Adversidades" no "Notícias" de hoje.

Os convergentes

Os títulos dos jornais são sempre, para mim, coisas fascinantes. Por exemplo, o "Notícias" online de hoje diz que as bancadas da Assembleia da República, designadamente Frelimo e Renamo-União Eleitoral, estão "divergentes" no tocante ao Plano Económico e Social e ao Orçamento de Estado para 2007.
O "Notícias" é pródigo em desejos nefelibatas desses tipo. Mas não apenas ele.
Creio que o ideal de muitos convergentes seria o de termos um país unisexo, absolutamente despedido (digo bem, despedido) de opiniões diferentes.

12 dezembro 2006

Papéis sociais (1)

O que são papéis sociais? Papéis sociais são actos físicos e verbais através dos quais mantemos ou desfazemos os laços que nos unem a outras pessoas na construção diária da nossa vida.
Fico-me por aqui hoje, nessa vaga definição.
Amanhã devo prosseguir.

Mortalidade infantil em África


A África sub-sariana tem a mais elevada taxa de mortalidade infantil do mundo com 162 mortos em cada 1000. O nosso país tem uma taxa de 145/1000. Leia aqui.
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Com esta fotografia ilustrando a fome no Níger, o canadiano Finbarr O´Reilly, da agência de notícias Reuters, ganhou o prémio World Press Photo 2005.

11 dezembro 2006

Movimentos sociais e linchamentos: uma hipótese analítica


A socióloga Natacha Morais, membro da Unidade de Diagnóstico Social (UDS) do Centro de Estudos Africanos, preparou um texto preliminar com o título em epígrafe, que pode ser importado aqui. Esse texto deverá sofrer alterações e será posteriormente publicado no portal da UDS.

09 dezembro 2006

Aforismos

1. O interessante não é a dominação política, mas a interiorização dessa dominação, a dominação política naturalizada.
2. A isenção nas ciências sociais só tem sentido quando combinada com a militância política contra todas as formas de injustiça social.
3. A sociologia não é um receituário de problemas colocados aos fenómenos, mas uma arte de colocar problemas aos problemas.
4. Quanto mais falamos de problemas, menos tendência temos em estudá-los. O grande problema está em transformar a ciência num estética dos problemas sem o problema de os queremos realmente estudar.
5. O grande problema de muitos sociólogos é a sua presunção cardinalícia e iluminada de que existe algo como a "sociologia" estrangeira ao que ele, sociólogo, "dela" faz. Quando encontramos alguém que diga algo como "numa visão sociológica (...), as coisas vistas pelos prisma da sociologia (...), a sociologia ensina-nos que (...)", devemos imediatamente ser, vá lá, sociólogos.
6. Quanto mais flagrante é a desigualdade social, mais tendência têm os fast thinkers para exigir a neutralidade científica.

Linchamentos analisados por sociólogo brasileiro

O sociólogo brasileiro José de Souza Martins tem um texto interessante sobre linchamentos.

É o linchamento uma manifestação de desordem? Resposta dele: "O linchamento não é uma manifestação de desordem, mas de questionamento da desordem. Ao mesmo tempo, é questionamento do poder e das instituições que, justamente em nome da impessoalidade da lei, deveriam assegurar a manutenção dos valores e dos códigos."

É fácil encontrar dados para se analisarem os linchamentos? Resposta dele: "A principal fonte de dados (no Brasil, C.S.) para esse tipo de comportamento coletivo é o noticiário dos jornais (...), tal como se deu nos Estados Unidos. Ocorrência súbita, impensada, explosão passional determinada por fortuita combinação de circunstâncias, os linchamentos não se situam entre os acontecimentos previsíveis, que viabilizem a pesquisa sociológica planejada e a presença testemunhal do pesquisador."

Importe o texto aqui.

Mais um linchamento


Após um interregno de algumas semanas, mais um cidadão foi linchado com pneu incendiado na madrugada de quinta-feira, na Machava Socimol -15, Matola, uma notícia que não surgiu no "Notícias", diário que, porém, cobriu os anteriores linchamentos.
Entretanto e a propósito, releia do jovem sociólogo Honório Massuanganhe, membro da Unidade de Diagnóstico Social do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, o texto que pode baixar aqui.
Recordo que este diário contém numerosas entradas sobre linchamentos.

Sociedade "e" indivíduo


O indivíduo que depende do social
Julgo que todos sabemos quanto amamos distinguir as "pessoas" da "sociedade", o eu do nós. Regra geral achamos que a sociedade é um todo indiviso do qual, porém, nos podemos destacar sempre que quisermos. Parece tudo uma questão de entrar ou de sair de casa, tudo parece resumir-se a uma simples operação de adição ou de subtracção, desde que assumamos, como assumimos, que estamos diante de duas coisas: a sociedade e (copulativa de fronteira) o indivíduo.
Quando vou para o meu quarto e fecho a porta, acredito que me isolei realmente da sociedade. Toda a minha estrutura mental e físico-espacial me diz que, realmente, sensorialmente, eu me isolei. Estou dentro do meu quarto, em paz, em silêncio, e lá fora está a sociedade, estão os outros. Sinto-me orgulhosamente apenas eu-mesmo. Os deuses criaram indivíduos irredutíveis, assim penso.
Todavia, eu apenas me posso isolar socialmente, na sociedade. Mesmo quando julgo estar isolado, continuo totalmente mergulhado na sociedade da qual julgo ter-me afastado. Todas as minhas referências, tudo o que manipulo, tudo o que sou pertence a essa sociedade. Nenhum tijolo de uma casa se compreende fora da constituição da casa.
Por outras palavras, apenas posso ser indivíduo se for sociedade. O Sr. Julai do Bairro Polana Caniço A é, intrinsecamente, um dos "moradores" desse bairro, uma das partes integrais do todo de moradores.

O social que depende do indivíduo
Mas, por outro lado, acreditamos muitos de nós que a sociedade é um saco cheio de batatas literalmente iguais, que os indivíduos são aí, apenas, um epifenómeno do social.
Termos como população, sociedade, sociedade civil, multidão, moradores, populares, etc., são, a esse respeito, exemplares. Estes termos reenviam para um comportamento zoológico, igual, mimético, unívoco, sem vírgulas, apenas com um ponto final.
A sociologia de questionário, a quantofrenia, a estatística que evacua o pensamento, constituem a formulação científica (ou assim suposta) da crença de uma sociedade sem indivíduos. Na sua busca de disciplina do diferente, eles remetem para uma entidade igual o que não é, de facto, igual. Nem podia ser. Os deuses não têm essa palavra no seu dicionário.
Ora, perdoem o truísmo, não há nenhuma sociedade que não seja composta por indivíduos diferentes. Nenhuma casa faz sentido se não for percebida pelo esforço "individual" de cada tijolo.
Não é possível uma sociedade se, intersubjectivamente, os indivíduos não se sentirem sociais, seja qual for o tipo de sociedade ou de grupo que tivermos em vista.
Não importam a densidade, a extensão, a simetria de estilos de vida, o padrão de privações do Bairro Polana Caniço A: este bairro só tem sentido enquanto entidade plural, social, se o Sr. Julai, o Sr. Massamba, a Sra. Albertina e tantos outros se sentirem moradores diferentes, "eles-mesmo".
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Fotografia extraída daqui.
N.B. Em próximo trabalho, escreverei sobre os papéis sociais.

08 dezembro 2006

Corrupção no Ministério do Interior

De acordo com o semanário "O País", o Ministério do Interior devolveu ao Ministério das Finanças cinco biliões de meticais, remanescente de um esquema de corrupção que envolveu o desfalque de 260 biliões de meticais em pagamentos feitos a funcionários fantasmas.
O esquema, montado na vigência do anterior ministro, foi descoberto numa auditoria interna solicitada pelo actual, José Pacheco ("O País" de 08/12/2006, p. 5).

Harare: a cidade mais cara do mundo


Destronando Oslo e Tóquio, Harare, capital do Zimbábuè, tornou-se a cidade mais cara do mundo, num país onde a inflacção é suposta rondar os 1.700%, prevendo-se que possa atingir os 4.000% no próximo ano. Leia aqui.

07 dezembro 2006

2% têm mais de metade da riqueza mundial

Dois por cento dos mais ricos têm mais de metade da riqueza mundial. Metade da população mundial possui apenas um por cento do capital do planeta. Veja aqui.

Pensar diferente

Para conseguirmos ver no crime a simples violação do direito e da lei, importa que tenhamos a concepção de que o direito e a lei têm uma vontade geral autónoma.
Da mesma forma, para acreditarmos que depende da vontade das pessoas a modificação das condições existentes de vida importa que consideremos as ideias como estando separadas das condições reais nas quais nascem e se reproduzem.
Limitei-me a recordar Marx e Engels.

05 dezembro 2006

Debate regressou ao deixa-falar

O debate regressou ao deixa-falar, após uma prolongada paragem motivada (ao que parece) pela ida ao curandeiro do Sr. Geraldo dos Santos, ex-coordenador do blogue. Veja aqui.

04 dezembro 2006

O poema ao mainato

Num dos portais que visitei hoje, alguém que aqui viveu há muitos anos dedicou em 2004 um poema sofrido a um mainato que encantou a sua infância na Beira. Eis, apenas, a primeira e última frases do poema:

Meu mainato era tão negro, negro como a noite escura
Mainato tu eras negro, mas tinhas muito valor.

Talvez um dia eu tente a sociologia desse tipo de recordações.

Angola: crianças acusadas de feitiçaria são torturadas

Cresce em Angola o fenómeno de crianças acusadas de feitiçaria e depois torturadas por curandeiros e pastores. Leia aqui.

Liberdade de imprensa no mundo em 2006

75 jornalistas mortos (desde 01 de Janeiro de 2005), mais 32 colaboradores
135 encarcerados, mais 03 colaboradores e 59 ciberdissidentes
Veja aqui.

03 dezembro 2006

Estado privado

Quando trabalhamos no Estado e nos casamos no fim-de-semana podemos ter à nossa disposição as carrinhas e os autocarros da instituição à qual estamos vinculados. Basta observar isso na Avª Friedrich Engels, Maputo, Jardim dos Namorados.

01 dezembro 2006

Maboazuda e os conectores de Zico

Negra, mulata, leva
europeia, chinesa, apanha
filipina, monhé, dá-lhe
até albina"
(da letra de maboazuda)

Maboazuda ganhou o prémio da canção mais popular do Top/Ngoma.
A propósito das críticas que a letra tem sofrido, veio a terreiro a professora de Português, Irene Mendes, explicar que Zico não agiu de má fé.
Num país onde, segundo Irene, "a maioria dos jovens, mesmo a nível superior, tem imensas dificuldades em diferenciar os valores das conjunções e locuções e, pior ainda, em utilizar correctamente esses conectores", o que se deve ter passado é que Zico escreveu "até albinas" quando pensou em "também albinas" (bem, admitamos que foi Zico quem escreveu a letra).
Para Irene tudo se tratou "de um problema de língua".
Entretanto, com até ou também, seja qual for a epiderme da mulher, ela leva e apanha, forma, claro, de pôr os verbos conectados.
E dancemos.
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"Notícias" de 30/11/06, p. 5.