19 dezembro 2006

Palavras-pacemakers

Cada vez mais parece que certas palavras se encarregam de ter vida própria, como se fossem seres sobre-humanos, como se fossem gigantescas causas independentes de nós e de relações sociais concretas: pobreza absoluta, corrupção, burocratismo, sida, etc.
Por todo o lado, não importa o nível decisório e o emissor da palavra oficial, surgem esses seres espantosos sem rosto próprio, espíritos maus que importa expurgar simbolicamente não interessando saber exactamente o que são, quem são e por que são.
Transferimos para seres fantásticos, cómodos justamente por serem fantásticos, as consequências de certas práticas sociais cujos processos não interessa ter em conta. A pobreza absoluta, por exemplo, é um mal que podemos eliminar se "todos" nós assumirmos o combate contra ela. A crença politicamente interessada é a de que a pobreza absoluta nada tem a ver com o sistema social que a segrega em permanência, mas com a falta de trabalho e de apego.
É como se, esvaziado por completo o sentido social das coisas e das pessoas que fazem coisas em relações a propósito de coisas que uns têm e outros não, transformássemos essas palavras em eléctrodos politicamente úteis. Melhor, em pacemakers que reequilibram politicamente o ritmo cardíaco da nossa vida social com pequenos choques eléctricos simbólicos, convenientes, verbais, encantadores, silenciosos e anestesiantes.

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