27 dezembro 2009

O problema central

Algumas pessoas mostram-se inquietas no tocante ao futuro do multipartidarismo, como se a democracia pudesse ser apenas isso. Ou principalmente isso.
Creio que o problema central está menos aí do que nas pequenas coisas do dia-a-dia que, estranguladas pelos caciquismos locais, podem ganhar a espessura de grandes e dramáticas coisas.
O problema central não está na quantidade de partidos em si, mas nos perigos da redução sistemática das coisas mais banais da vida a fórmulas políticas oportunistas e carcerais emocional e cultualmente deduzidas dos discursos do topo.
O problema central não está nas declarações formalmente democráticas, mas nos actos informais e antidemocráticos do dia-a-dia que colocam grades nas opiniões, suspeitam de mãos externas em todo o lado e atribuem intenções políticos perigosas mesmo aos pirilampos e às suas lanternas biológicas.
O problema central não está na vitória esmagadora do Uno, mas na sua aceitação esmagadoramente passiva.

8 comentários:

Anónimo disse...

Mas tudo isso professor culmina com o acabar com os partidos da oposição que são o suporte da diferença nas entidades democráticas como seja o Parlamento e por terem imunidade para muitas coisas podem dizer e contrariar certas praticas. Afinal tudo concorre para no fim eliminar o central da democracia: os partidos políticos.

BMatsombe disse...

Belo texto, mas o anónimo tem razão também.

ricardo disse...

O diagnóstico psicológico do problema do povo Moçambicano, é um caso clínico, multiplicado à escala demográfica. E ele tem origem nas diferentes fases históricas que vivenciamos desde da Invasão Bantu, colonialismo, pós-independência, pós-guerra, actualidade, etc.

Aqui, tendes um texto que V. ajudará a perceber a base da minha argumentação:

http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:ru0KSvY7bzsJ:www.charlieoscartango.com.br/Images/Sindrome%2520de%2520Estocolmo%2520trad1.pdf+cura+da+sindrome+estocolmo&hl=en&sig=AHIEtbQS0feXMWkD9bSb82_B8jnHsB0Aig

Outros países, sofrem, em igual medida, do mesmo problema:
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/02/273967.shtml

Factos que me levam a concluir que se estivessemos num consultório médico, orientar-nos-íamos por quatro (4) foco principais para debelar o problema de um paciente com esta sintomatologia:

1. A questão do Isolamento: Ajudar o paciente a identificar fontes de intervenção de apoio; auto-ajuda ou de terapia de grupo (grupo deve ser homogêneo para as necessidades), também hot lines, centros de crise, abrigos e amigos. Muitas vezes estes não estão disponíveis. Faça o melhor que você pode chamá-los e mantê-los envolvidos.

2. A questão da Violência: As vítimas de relacionamentos abusivos minimizam o abuso, ou estão em negação total do sucedido, tanto que pode ser necessário fazê-los falar sobre os diferentes tipos de comportamento violento. Muitas mulheres (e filhos) ficam confusos sobre o que é aceitável vindo do comportamento do sexo masculino (pais / autoridade) . Registar em diário, promover escrita autobiográfica, a leitura de relatos em primeira mão ou ver filmes que lidam com o abuso pode ser útil para os pacientes. A Atitude pode, por vezes, magoar alguém, sobretudo quando alguém não sabe quando falar ou quando calar.

(Cont...)

ricardo disse...

3- A questão da Verdadeira Bondade: Incentivar o paciente a desenvolver fontes alternativas de auto-afirmação e auto-suficiência (Em resposta ao ponto 1)

4- A questão da avaliação do Amor e do Terror: Ajudar o paciente a integrar os "lados&quot desassociados do abusador, para ajudá-la a desistir de seu sonho, que fá-la acreditar de que o relacionamento vai se tornar o que ela esperava que um dia seria. Quem poderia ficar melhor, mas que não pode.

Se colocarmos as 4 questões numa perspectiva demográfica, constatamos que:

1 - A construção de Moçambique ainda é marcada pelos apóstolos do isolacionismo, o que conduz ao comportamento de seu povo. Para se inverter esta tendência, é fundamental a criação de PONTES por onde ele (o povo) possa se conhecer e fazer-se conhecer. E isso é tarefa dos intelectuais, e dos políticos em particular.

2- A violência ainda é uma marca que caracteriza os mais poderosos. Toda a história dos vencedores tem sido escrita com violência. Sem a quebra deste ciclo, o processo seguirá imparável. É preciso lidar honestamente com esta situação. Uma vez mais os intelectuais, com os historiadores, antropólogos, sociólogos e politólogos a terem responsabilidade para se contar a verdadeira versão dos acontecimentos, abrir os dossiers, promover a memória. E poucos são os exemplos disto em Moçambique actual.

(Cont...)

ricardo disse...

3- A suposta "bondade" que alguns manifestam perante seu povo em momentos capitais (Festas, Eleições, etc.) é um fenómeno corrosivo e que, contribui - porque já aceite com normal - para moldar o comportamento do Moçambicano. É lícito que os intelectuais façam uma reflexão profunda sobre isto. Cito dois exemplo que fazem penar. A AEMO tem regularmente publicado obras sobre diferentes assuntos. Do conjunto de obras publicadas, se fossemos a dividi-las por períodos históricos, quantas se referem a Invasão Bantu, Colonialismo, Partido Único, Apartheid, Governação de Guebuza, Governação de Chissano? Faça-se uma pesquisa. Com um intelectualismo tão "selectivo" será possível quebrar o Isolamento?

4-Na RSA, foi criada uma comissão da verdade após o Apartheid. Foi criticada e até questionada, mas terá sido ela tão inócua? Evidentemente que não. Eu penso que a RSA não teria lançado as pontes para a sua nova nação, caso os fantasmas não tivessem sido esconjurados publicamente. Em Moçambique, é precisamante o contrário, nunca como agora se tentou desvalorizar o adversário, o oponente. Trinta anos depois, ainda se diz que moçambicanos estão ao serviço de Lénine e Marx. Vinte anos depois, ainda se diz que moçambicanos estão sob o jugo de Botha e Smith. E inferem-se daí, todas possíveis interpretações que estes poderão ter de determinado status quo da sociedade. Ora, com esta incapacidade do próprios intelectuais se auto-regenerarem, não espera que as massas venham um dia fazê-lo.

ricardo disse...

Adenda:

No ponto 3 do post anterior, referi-me a dois exemplos, mas na verdade citei apenas o da AEMO.

Queria também citar o outro da AMMO (músicos) que em 2007 patrocinou o CD AMANHECER. Quem escuta o vigor interventivo daquelas mensagens de 1977, não percebe o silêncio confortável dos autores daquelas belas composições face ao status-quo do país que ajudaram a nascer. Eis outro exemplo do intelectualismo selectivo que corroi Moçambique.

Carlos Serra disse...

Muitos pontos para reflexão.

Anónimo disse...

E o mais interessante ainda é que o "Governo" (policia) autoriza a manifestação de apoio ao anuncio dos resultados das eleições promovida pela Frelimo e reprime, ainda que seja verbalmente e com ameaças a manifestação que a Renamo pretende promover.
Não sou de nenhum destes partidos, note-se.