27 fevereiro 2014

Sobre a dupla posição da ACLLN (4)

Adaptando uma frase de Renan, todo o partido, como todo o ou toda a presidente, deve ser um plebiscito de cada dia.
Quarto e último número da série. Termino os pontos do sumário proposto aqui, a saber: 2. O duplo constrangimento: entre pais fundadores e delfins. Que duplo constrangimento, que duplo dilema? Este: como antigos combatentes, gostariam de ter um candidato presidencial oriundo das fileiras da luta. Este candidato seria o seu compromisso sagrado com o passado frente ao futuro. Mas os veteranos envelheceram e os tempos são outros, os tempos têm novos desafios neste tempo de jovens. Então, trata-se de encontrar um delfim que saiba fazer a ponte entre o passado e o futuro, que saiba fazer a ponte entre os veteranos e os neoveteranos do futuro, um delfim - ou uma delfina  - que saiba manter a chama de luta de libertação nacional re-injectando-lhe a chama da luta de libertação social, federando as diferentes visões do partido e das suas étapas históricas, sabendo colocar a nação acima dos partidos, o sacrifício acima do enriquecimento, lutando sem descanso contra a corrupção, o nepotismo, o racismo, o etnicismo, a xenofobia, o androcentrismo, a homofobia e todas as formas de exploração e exclusão social. 3. O receio dos rivais. Os veteranos da luta de libertação nacional aprenderam que nada se consegue sem luta, que ninguém dirige um país sem luta, sem rivais. Os rivais têm surgido e, claro, continuarão a surgir - o que é salutar - neste país de jovens, neste país com cada vez mais gente formada, atenta e crítica. As recentes eleições autárquicas mostram que, por exemplo, um muito jovem partido, o MDM, sem capital militar, é capaz de vitórias bem maiores do que aquelas que conseguiu. Os resultados a todos os níveis mostram uma evidente perda de legitimidade da Frelimo. E os veteranos (eles e elas)  da luta de libertação nacional sabem bem disso. Sabem e temem o futuro. A gestão do Estado é, para eles, a razão de ser da luta anticolonial e por isso não querem abdicar dela. 4. Redes sociais digitais e pressão dos candidatos informais. Os tempos são também doutras juventudes, juventudes tecnológicas, como a das redes sociais digitais. Hoje, dificilmente é possível o secretismo decisional, o cesarismo arrogante e humilhante. As redes sociais digitais - autênticos ouvidos omnipresentes - tornaram-se o viveiro de aposta em outros candidatos presidenciais do partido. Os autores e apoiantes dessas candidaturas não são criminosos, são apenas pessoas preocupadas, elas-também, com o futuro e que, decididamente, não quiseram e não querem ficar reféns de uma decisão irremediável da Comissão Política, decisão tão veementemente defendida pelo secretário-geral, Filipe Paúnde. As candidaturas informais surgidas ampliaram a visão dos veteranos e deram-lhes a possibilidade de recusar a divinização faraónica de uma só linha de pensamento. Isso mostrou e mostra não que a Frelimo está a desfazer-se, mas que está a recrescer. Nenhum partido pode, hoje, sobreviver sem intercrítica e autocrítica públicas. 5. O significado do apelo à restruturação do secretariado-geral do partido. Os pontos anteriores mostram a lógica do apelo dos veteranos para a necessidade imperiosa de reestruturar o secretariado-geral do partido. O que os veteranos terão dito, na reunião que tiveram, foi que o actual secretariado mutila a Frelimo, elimina a história do partido, que esse secretariado é prisioneiro de uma linha monárquica e, portanto, intolerante, de gestão do partido e do Estado, que essa linha é um risco para a vitória do partido nas próximas eleições presidenciais e legislativas. A Frelimo precisa desfrelimizar-se dessa linha, para se refrelimizar com o resgaste - vivo e actuante - da história. 6. Um exemplo de democracia face aos conservadores e seus cronistas.  A Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional deu um notável exemplo de democracia e de rejuvenescimento dos ideais da luta e da justiça social, opondo-se a um percurso de beatificação ostensiva de uma determinada linha de pensamento e de um determinado grupo de pessoas, percurso defendido a todo o transe por determinados cronistas de serviço - não poucas vezes escudados no anonimato - em determinados órgãos de informação. O racismo despudorado, a ameaça silente, a intolerância para com linhas diferentes de pensamento político, a quase criminalização da crítica - são apenas alguns dos ingredientes dos artigos e crónicas que têm surgido. O candidato ou a candidata presidencial da Frelimo não pode, absolutamente, pactuar com isso.  Adaptando uma frase de Renan, todo o partido, como todo o ou toda a presidente, deve ser um plebiscito de cada dia.
(fim)
Adenda às 04:44: confira esta entrada no portal da Frelimo aqui.

1 comentário:

Salvador Langa disse...

Alguém lá do conclave terá lido este trabalho?